O tossir quebra o silêncio, copo de vidro que estilhaça no vácuo. Eriça os pêlos da atenção e volta a si. Desconforta-se na cadeira procurando um equilíbrio que não quer ser encontrado, é apenas o movimento que é necessário para satisfazer a fome. Firmes dedadas na gola, puxada e engomada até à perfeição, reflexo de algo bonito, pensa. Já roía as unhas, mas mantem a pose, porque sabe que o que queria era fumo, a inchá-lo que nem um balão, a povoar as estradas sanguíneas que nem noite de nevoeiro maciço. Mas não pode. Por isso tapa com as unhas. E também não o faz.
[A primeira vez que fumei tinha treze anos. No banco rectangular de pedra cinzenta, rodeado de gravilha, perto da igreja. Não tossi, tinham-me dito, inspira logo, logo, assim o fiz e até do nariz cuspi fumo.]
Feições cavernosas de um lado e do outro. Um rio separa o velho do novo, deixando João numa das margens, dedos entrelaçados e olhos inundados no lado de lá. Com um pincel pinta a preto os mortos ou os que se contorcem com mais força e deixa a cor apenas nela. Engole um egoísmo e falta de sentimento, desde sempre diz, ou confronta-o com o quase amor que sente pela estranha. Nunca precisou de desculpas para o coração não bater, mas talvez por ele o fazer agora, se desculpe. Ela sorri e sussurra com o homem do lado, enquanto uma fatia de cabelo se encaixa atrás da orelha, escondendo o brilho e delicadeza assente nas mãos e rosto , nuvens de mel. O fundo fundo está desfocado, uma grávida grita com força as maldades do vício, abraçada por palmas e abraços, de uma vitória que só cheira a mais doença, talvez seja do chão ou da falta de fumo. Levanta-se e ata o cabelo descobrindo o pescoço, tudo sem hora, escrevendo poesia em cada toque. A vontade de a despir aumenta, que irás tu dizer, pensa João no canto do lábio, que se estica para cima, com um ar de descoberta. Nunca tinha possuído um segredo que não fosse seu. E tu meu segredo tens nome?
- Boa noite a todos, o meu nome é Joana e não fumo há três anos.
1 comentário:
ai,ai...bué mentirosa...
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