terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Tangerina

Tinha as mãos a cheirar a tangerina. Talvez o fumo se cole aos dedos como tiras de mel antes que ela chegue. Antes estivera a esgravatar esfomeado uns gomos para dentro de um prato de restos, minúscula cozinha que tanto lhe lembra a avó, e agora sentado, aguardando, sente as narinas cheias. Esconde nos bolsos os dedos perdidos que antes lavaram a loiça suja e passaram por um creme rosa com outro aroma, apesar disso, e de o mundo ser feio, tudo cheira inevitavalmente a tangerina. E o que ela vai dizer, pensa. Não vai reparar, chega atarefada com um saco de papel carregado de roupa e não detecta. Inventa desculpas tangerinescas, estive tanto tempo a cheirar que não cheiro outra coisa, como uma loja de perfumes em que habitando lá mais que dez minutos engolimos todos os perfumes numa brisa uniforme. É isso. Ela vagueia ao longe. Ele pensa seguro com as mãos nos bolsos, trauteando a frase inicial como se fosse uma manobra de diversão. Cada vez mais perto. Mãos nos bolsos, mas uma inevitavelmente tem de sair para lhe encontrar a cintura.
- Olá amor, tudo bem?Por onde andaste?Já cá estou há tanto tempo(mentira)...
- Olá...Então eu..epá cheiras a tangerina...

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