terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Pedro

A noite já cai. Pedro entra no apertado vestiário onde se troca todos os dias. Traz a farda suja e gasta num pequeno cabide de madeira que encontrou perdido no seu triste novo lar. Veste-se com calma, quase parado, quase sem querer fazer mais aquilo que faz repetidamente há anos. Ao olhar para o seu tronco desnudo vê-se cada vez mais magro, consumido pelo cinzento, pelo afecto ou pela ausência deste, não sabe. Com movimentos soltos ajeita o seu cabelo negro e impestuoso tocando de seguida na barba, sem significado. Guarda a sua roupa no cacifo enferrujado número 4 e sai porta fora, parando de seguida para um mero vislumbre ao parque de estacionamento, um simples pensar em tudo o que pensou. Segue então a pé até ao local onde se encontra estático o seu transporte de serviço, uma moto-quatro verde escura, com o nome da empresa de segurança que o emprega e com todas as suas tristezas, todas as suas histórias. Senta-se nela e dá um gole na cerveja morta que tinha deixado lá no dia anterior.Já nem o sabor azedo o arrepia."Estarei frio, morto?" pensa enquanto arranca ao trabalho. Do bolso maior tira um maço de cigarros, amachucado de andar no bolso de trás das calças, e toca religiosamente em todos os cigarros, como se todos fossem diferentes e Pedro estivesse a escolher aquele que se adequa ao momento. Por cima de si milhares de pessoas fumam e ele, só, também. "Ao menos aqui posso fumar" pensa todos os dias nestes minutos do início e é como se uma pequena chama o enchesse, deste início até ao fim.

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