terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Diogo

Diogo acorda preso num pesadelo. Dói-lhe o corpo, desde a ínfima ponta dos seus dedos até ao interior dos seus olhos. A boca secara há muito mas toda e qualquer tentativa pensada para trazer água até ele é logo apagada por toda a estática que lhe é imposta. Nenhum pensamento lhe ocorre a não ser aquele que lhe diz que não volta a beber. Qualquer recordação da noite anterior é sem duvida um espaço vazio, num espaço ainda maior que é ele. Nunca se sentiu tão podre e vulnerável como neste momento. O paladar é uma mistura de tons e sabores desagradáveis, sendo-lhe familiar aquele sabor a álcool destilado e fermentado numa noite tempestuosa. Olha para o lado, apenas com o olho que respira, mantendo o outro fechado contra a almofada áspera e cansada que o ampara, reparando então nos cinco despertadores que vivem na mesa de cabeceira. Todo o seu mundo se resume a isso, a cinco despertadores que trabalham sem parar, cada um com os seus ponteiros e suas cores, mas incrivelmente sincronizados, partilhando um tempo que sem dúvida não é o seu. Chama-lhe a atenção o maior deles todos, um vermelho grande, que visto dali parece um enorme ovo prestes a explodir. Parece controlar todos os outros, pequenos, submetidos ao seu poder de mandar e ditar as regras. É sem dúvida bonito, é sem dúvida tudo em que consegue pensar, num despertador vermelho e possante...Tacteando ligeiramente com a mão direita percebe que está vestido, sente a ganga e a parte descosida da sua camisa namorando os seus dedos. Como caída do céu sente a dor que devorava a sua cabeça, como ondas que vêm e vão, devorando a areia.

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