sábado, 12 de maio de 2007

Pedro VI

Vê o soluçar do veículo como o ritmo da sua própria vida. Um passo mau de passar que se desmarca do seguinte, separados por uma pausa acentuada - houve o tempo em que eras fluido. Solta as mãos e deixa-as cair no colo enquanto detecta sem preocupação uma nódoa na manga esquerda. Os pensamentos pesados deixam-se cair para trás, o tecto continua lá, esburacado e vazio, uma maneira de pouparem dinheiro, disse alguém de engenharia. o nome já não sabe. Absorve o ambiente arrastando a retina nas mais diversas direccções enquanto o B passa de 1 para 2 e depois para 3. As mãos sobem ao volante, não estão muitos carros neste fim de dia, tornando o vazio num espaço amplo e infinito, tornando a viagem num acto pobre e solitário. As ruas têm uma linha de ritmo, pausada nos postes e nos passos de alguém longe, juntando no mapa que Pedro guarda desde o primeiro mês na sua cabeça. No armazém demorou mais a processar o sítio. O tecto ,aqui fraco de espírito, lá subia aos céus, de cargas enroladas centenas de vezes em lençóis plásticos, que se reflectiam nas cores e se sentavam na madeira. O ronronar do motor era de outros lados, e a precisão era requisito, elevar as garras e encaixa-las no intervalo da base, descer e abandoná-la noutro lado, para alguém consumir. E-5 é um bom pretexto para um cigarro. Qualquer letra é pretexto para um cigarro,e desculpa para nunca deixar o fumo. hoje estou com a cabeça cheia, hoje estou pisado, hoje não acabo, hoje quero tempo, hoje choveu e provocou em mim um estado de profunda depressão, vai daí, hoje tenho de fumar. Pedro desculpa-se muito sempre que ouve os seus pulmões doentes e reprimidos em gritos de apelo. hoje trabalho neste buraco, tenho de fumar. Como se os seus alveólos pulmunares o desculpassem com estas mentiras descartáveis. Se qualquer espera é sinónimo de nicotina então a vida de Pedro é um maço de tabaco. As pessoas fumam quando esperam. Eu estou sempre à espera. Logo fumo. é este o penso rápido que cola na testa e o aquece em noites de preocupação gelada. Pára. Desconfia dos carros circundantes e entra com rapidez na porta metálica. Apalpa a parede ao de leve até à luz, o seu tesouro é descoberto, vou-te trazer aqui Maria. Depois de saciado vira-se mas depara-se com alguém que não ouviu entrar. -Lembras-te de mim? questiona com os olhos em sangue levantando o enorme taco e de uma só vontande atinge Pedro no rosto. Cai e ve o mundo a rasgar-se num cimento húmido.

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