quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Joana

Olha para o maço deliciosamente fechado.Com os seus finos dedos viaja no tacto, até chegar à ponta solta do plástico.A mão pálida agarra enquanto que a mão gélida delicada e calmamente puxa o fio do novelo, até se soltar e então abrir. Visto daqui parecem tantos. Olha para todos de igual forma durante um infinito e é então que escolhe a presa, o primeiro. Vai rolando sem pressa e subindo subindo. O polegar e indicador trazem-no para cima e na viagem, o médio toma posição e o polegar perde-se para outros lados.Fica o cigarro, entre os dois dedos. Joana adora esta monotonia, estes segundos ou minutos que perde. A saborear. Prende-o nos lábios humedecidos pela noite e brinca acendendo a chama, uma,duas,três, as vezes até ela queimar. E então é aquela primeira colisão, o primeiro bafo. Depois expira-se alívio. Encosta o cotovelo à barriga, o braço nunca cai, nunca. E fica ali. Consegue ouvir a chuva e o negro que se faz lavar na rua. Tanta gente. Não é usual estar tanta gente na Sala a esta hora da noite. Ata o seu cabelo negro,liso, e com os seus olhos castanhos ou verdes, vislumbra a cadeira do lado. Um homem de robe e pijama gesticula bruscamente conversando com o ar e gritando com o mundo. Não ouvem os grilos? Como podem não ouvir os grilos? Joana já se acomodou aos loucos da Sala, caminham e fumam como todos os outros. Olha para cima e aprecia as monstruosas ventoinhas a que todos os caminhantes chamam de tecto. Volta aos grilos. Tem de parar. Isto vai parar. São vocês que os põe aqui para me matar a cabeça. Mas isto vai parar. E do robe ou dele mesmo tira uma arma. Joana pára. Nunca tinha pensado tanto e tão pouco. Pensou que nunca tinha visto uma arma. Pensou que não ouvia grilos. Pensou no trabalho que odeia. Pensou na mãe. E no fim pensou que nunca tinha beijado ninguém à chuva.

Sem comentários: