sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Joana III

E lá sobe ela ao palco. Em todas as sessões faz questão de falar, conhece todos os antigos e todos os novos. A sala é enorme, plana e alta com o palco ao fundo lembrando um triste salão de baile. O Hotel cedeu a sala ao grupo que sendo uma organização já com muito peso necessitava de um espaço amplo e acolhedor quanto baste. As cadeiras são daquelas de escola e ocupam grande parte do salão divididas em duas partes, do lado direito estão os com mais de um ano, do lado esquerdo estão os novatos. Joana é do direito. Ao lado da porta envidraçada de entrada está uma mesa corrida, recheada de bolos e café, para o final. Tosse, ouve-se muita tosse. Veio aqui numa noite de mágoa, entregar o corpo , e quando saiu viu o anúncio. Não tens vergonha? De mentir a todas aquelas pessoas? Gritam-lhe os próximos. Ela não tem. Vive as sessões numa representação quase senil, usando fantasias que incuba na sua cabeça durante o resto dos dias e depois, quando se vê no prazer proibido, ri sozinha. As pessoas abrem-se contigo e tu não retribuis, usas as pessoas num momento tão frágil. Joana sabe disso. Joana não quer saber. É um prazer que a leva mais alto, quase como se enrolasse em falsas lágrimas, e naquele momento fosse uma cabeça mais crua. Olha para a sua frente, não reconhece um rosto, Logo descobres quem é, na calada, o que sobra é família, o Ernesto, a Rute, o seu filho Jaime, a outra Joana, a Sónia, a Rute, por aí, até um número grande. Raspa ao de leve no microfone, a peça vai começar. Tosse.
- Boa noite a todos, o meu nome é Joana e não fumo há três anos.

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