quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Pedro III

A minha preferida?
É a cadeira de baloiço.
Embala-me as alegrias.


Está parado do outro lado da estrada. Chove sem pingar, apenas sente a humidade entrar-lhe respiração adentro, condensando a inspiração interior. Tem o capuz do casaco enfiado, escondido dele mesmo, e caçando deliciosamente a sua presa. A noite já é ela mesma, e o restaurante já se encerra, vão levando as cadeiras, uma a uma para dentro. A vontade de fumar já lateja encarnando na ponta dos dedos. Há semanas que olha para aquelas cadeiras, que as namora sem cessar e que vê uma delas, indefesa, na sua vasta colecção. É de madeira, clara, com os nós das pernas bem vincados e tampo irregular. As costas são armadas por quatro troncos cilíndricos, finos, lisos, que dão uma sobriedade outonal à cadeira. Está na hora, o empregado agarra na penúltima, levanta-a e arrasta-se para o interior. Está na hora Pedro. Passa a estrada fugindo aos carros, entra na outra margem, e que nem felino faminto debruça-se sobre o gradeamento que separa a esplanada do resto da rua, sente o toque da madeira, pega no seu alvo e começa a correr. Ouve os gritos desesperados do empregado, cada vez mais ecos á medida que se afasta a passos largos de corrida, que nem louco, de cadeira abraçada, colada ao peito. É minha. O coração grita. Corre sem travar , até chegar à sala, à sua toca. Entra e desce para o parque, olha a ver se ninguém o vê, nunca ninguém o vê, corre mais um pouco e chega à sala abandonada, ao seu museu. Pela primeira vez pousa a cadeira e tira do bolso um molho de chaves, deixando morrer uma a uma até nascer a certa e espetá-la na porta. Ainda sente o nervoso a escorrer-lhe na testa. Já está tudo bem, bem vinda ao meu mundo.

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