quinta-feira, 15 de março de 2007

Joana V

Parabéns a você.

- A quem? A mim? Como me cantas os parabéns se nem estou no dia em que nasci?
Joana nasceu no dia 29 de Fevereiro de 1980. Não gosta de se lembrar, que ninguém se lembra, ou que quando se lembram não é no certo, é naquele mesmo antes. És especial dizem estes, é só um dia antes, dizem os outros, só queria soprar as velas como qualquer um, não ser uma aberração do tempo, ter um buraquito no calendário.

Nesta data querida

Mas salta de quatro em quatro e de perna em perna, sorrateira. Esta meia noite vai ser diferente, corre curvada engolida nas sombras, com o machado caído cheirando a areia por vezes e reluzindo com a pouca luz que se vai descobrindo. É a segunda vez que tenta, e hoje sem duvida é um dia importante, o dia do meu não-aniversário. Saltou como da outra vez, um ballet ilegal onde as pernas trepam e circundam um gigantesco portão, de espadas voltadas para cima, a defender o rebordo e o íntimo do jardim.

Muitas felicidades

Sabe dos três guardas, e dos seus caminhos (dormiu com um ), sabe como chegar lá. Fica sempre admirada como o seu aniversário a perturba tanto, ainda mais que a mãe, é difícil chegar ao cerne da dúvida, o melhor é esquecer. Que se fodam os anos bissextos. E baralha-se numa revolta dentro de uma tentativa de paz. A sua mente é assim, uma confusão de fios, enrolados em nós de outros fios, vindos de longe, ensopados nas ideias de agora. E agora passa pelos elefantes, vê apenas os sinos, eles dormem, assim como os leões, na calma das sombras, ouve-se o esfregar das folhas e um ondular quente enrola os braços descobertos da infractora, sons ao longe, passadas rápidas e guinchos mais presentes fazem a sua cabeça rodar constantemente. Está perto. Passa pela aldeia dos macacos.

Muitos anos de vida

Sempre achou o jardim um recanto apetecível para qualquer dia com um ramo de sol, cheio de recantos, fechado mas aberto o quanto baste para se sentir o ar. Pára. Um macaco olha para ela, é o único no exterior, bem acordado, imóvel. Joana olha para ele, imóvel, pedindo misericórdia, estou tão perto, cala-te por favor, e tenta dar um passo. Crack! Fim da linha, o macaco guincha, e são dezenas, centenas, merda! Ouvem-se apitos, ela corre na direcção oposta do seu fim, não vai ser desta, embrulha-se no mato, numa saída rápida e menos vistosa que a da entrada, o peso do machado faz-se ouvir. Vê lanternas ao longe e ainda ouve apitos, foi por pouco!
Que se foda a Terra a volta do Sol.
Que se fodam os macacos.

(Palmas)

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