quinta-feira, 5 de abril de 2007

Diogo V

É uma delas. Numa das asas. Trabalhando para que a atmosfera se conquiste lentamente de um rosa guloso. É uma delas naquele voar que apetece beber e cheirar, enchendo a pele de seda e voltando ao chão vezes e vezes sem conta. É uma delas, uma pena consciente de toda a vontade e amor com que se fura uma rua e rouba uma cidade. Nos segundos que dura o voo, Diogo é apenas isso. O som assusta se for consumido sem mais ver, mas decalcado nas aves, em todo o descer e subir com se faz um querer, um fugir, torna-se no filme mais belo que alguma vez assistiu em toda a sua vida. As luzes acendem-se e as buzinas e gritos rebentam, é um pós guerra, alguém bombardeou a cidade e se esqueceu de avisar, de dizer olá. Eles esvoaçam lá longe e Diogo fica entregue à poesia, sabendo que agora vem o caos. Volta ao vómito, à dor de cabeça, ao sangue e à pouca memória, já cá estou. Alarmes e alarmes, a polícia vai chegando, ouvindo relatos já trocados, diz-se de ouvido lançado que mais animais fugiram, leões , diz-se. Muitos olham para o fundo da rua, como se de uma nascente se tratasse e uma sede os consumisse. Parou, a poeira vai caindo da árvore e já se vê o dia. Na montra com dez televisões, dez acontecimentos iguais. Soltaram flamingos, um guarda morreu. Todos os prédios recuam enquanto ele avança até á constatação construída em sangue. Não se lembra. Não fui eu. Ou fui?

Sem comentários: